Carta aos Presidentes das Associações Integrantes do ECAD
Documento entregue pela ASSIM na Assembleia Geral do ECAD realizada em 21 de Fevereiro de 2013, no Rio de Janeiro
“Conheço muitos que não puderam quando deviam
porque não quiseram quando podiam.”
François Rabelais
Excelentíssimos Senhores,
O filósofo brasileiro Mario Sergio Cortella, especialista em gestão de liderança e ética profissional, levanta, em uma de suas palestras sobre o tema, a questão da necessidade da mudança e da transformação para o bem da continuidade de um dado negócio.
Falando para um público bastante exigente (nada menos do que o STM – Superior Tribunal Militar), Cortella esclarece que não se trata, no entanto, de continuidade no sentido da existência – sabemos que empresas e instituições podem preexistir e subsistir à nossa temporalidade – mas, principalmente, da continuidade no sentido do legado e do avanço. Sobre isso, diz ele: “É preciso fugir do óbvio”. E reforça: “Temos que fugir do óbvio”.
Tal afirmação, em si mesma, pode parecer “óbvia”, ou mesmo simples demais para conter um sentido mais profundo. Ela, no entanto, obriga-nos a fazer uma reflexão para a qual nem sempre somos inclinados, seja em virtude da autoconfiança, seja por conta das comodidades jacentes na experiência, a saber: o que somos e onde estamos. Mais ainda, e talvez provocativamente se formos atenciosos, tal afirmação convida-nos de fato a pensar sobre o que queremos ser e onde queremos estar.
Na verdade, o conforto de nossa situação corrente, muitas vezes atual ‘há tempo demais’, pode mesmo tornar menos perceptíveis os problemas decorrentes de tal estado de permanência, resultantes do isolacionismo que, em última instância, subverte sua própria razão de ser ao trazer prejuízos para tudo aquilo que, em sua origem, deveria proteger.
A Gestão Coletiva no Brasil enfrenta, novamente, outra grande crise.
Desde que passamos a integrar esta honrosa Mesa, em Fevereiro de 2012, diversas reuniões foram marcadas por cuidadosas reflexões acerca de um problema capital: nossa sobrevivência. Tal problema, de ordem externa, manifestou-se de formas diferentes e, o que é pior, perpetrado por frentes diversas. De muitas maneiras, muitas pessoas e instituições não nos querem fazendo o que fazemos, e estão lutando para conseguir este objetivo.
Numa linha de negócios cujos resultados financeiros se superam significativamente a cada ano, parece mesmo algo, no mínimo, contraditório. No entanto, todos sabemos que ser vitorioso e ter sucesso não se limita a alcançar metas financeiras definidas ou alçar resultados patrimoniais mais arrojados: na verdade, a vitória e o sucesso de um negócio estão, antes, cimentados em valores bem mais subjetivos, mas não menos valiosos: sinceridade, devoção, persistência, confiança. Poderíamos enumerar uma vasta quantidade de atributos, todos eles muito mais importantes do que os monumentos materiais que podemos erguer como resultado do sucesso financeiro.
Se assim o é, então por que padecemos, hoje, dessa contradição? O que explica tamanho sucesso financeiro, material, patrimonial, e, na contramão, o enorme insucesso no que tange ao que, de fato, se constitui patrimônio imperecível, comum, e que está acima de todos nós: a ética.
Sejamos sensatos e honestos, pois a discussão é válida e necessária, a ética, na Gestão Coletiva do Brasil (e da Gestão Coletiva brasileira), está sendo duramente atacada, questionada, encurralada, perseguida. Somos, diariamente, alvo de comentários maldosos, mentirosos, caluniosos, por parte de todas as esferas da sociedade civil e, o que é, talvez, ainda mais sensível, por parte daqueles a quem representamos, a quem defendemos e para quem trabalhamos com todos aqueles atributos já citados, frutos de uma devoção que é, muitas vezes, maior do que nós mesmos.
Não se trata, aqui, de discorrer sobre os fundamentos verdadeiros ou falsos dessas vozes contraditórias que se levantam contra nós. Estão no pleno gozo de seu direito de fazê-lo. Trata-se, antes, de termos a humildade de nos perguntarmos: até que ponto o caminho que trilhamos ao longo de nossa jornada não deixou, atrás de si, rastros que pudessem semear, ao longo deste mesmo tempo, os frutos que hoje colhemos? Até que ponto todas as nossas certezas não nos fecharam os olhos para as perguntas que não fizemos e para as quais, hoje, cobram-nos respostas imediatas?
A verdade é que, embora estejamos todos remando na mesma direção, somos, em cada um de nós, navios de bandeiras independentes. Temos um rumo em comum, mas objetivos diversos. Exceto pela natureza de nossas atividades e pelos laços indissolúveis amarrados pelos textos da Lei que nos ampara a todos, nada há que nos torne um só corpo, uma só ‘coisa’, com um só objetivo e uma só vontade em comum. Somos diferentes e queremos coisas diferentes.
Não podemos deixar de olhar para isso com a sinceridade, a seriedade, a vontade e a necessidade que tal fato impera. Não podemos ter receio de tratar esta verdade de maneira coerente e real, pois é somente ao assumi-la objetivamente que poderemos, de fato, nos orientarmos.
Embora a ASSIM seja uma Associação jovem nesta honrada Mesa, somos uma Associação de longa história.
Nascemos, lado-a-lado, com outras coirmãs aqui, também, antigas. Mais do que isso, no entanto, avançamos no tempo vencendo obstáculos que, muitos, julgariam intransponíveis sem jamais desistirmos do que acreditávamos e do que podíamos fazer. A ASSIM de hoje foi envelhecida, curtida e moldada, em muitos aspectos, diferentemente de nossas coirmãs; todas, certamente, envelhecidas, curtidas e moldadas tão valorosamente quanto nós.
Nossa história, no entanto, a qual humilde e respeitosamente evocamos neste momento, nos ensinou que a transformação pode ser o fôlego da vida ou da renovação. Por diversas vezes e em diferentes momentos, tivemos que olhar para dentro de nós mesmos e nos reinventarmos. Por diversas vezes e em diferentes momentos, fomos colocados diante de nossos maiores dilemas sem medo de enfrentá-los, admitindo, muitas vezes, que o caminho dado como certo estava, na verdade, errado. Mas o que nos manteve juntos e coesos nos momentos mais difíceis foram as certezas subjetivas que jaziam por trás das nossas efêmeras vitórias: nossos valores, a essência do que havia de mais importante nas pessoas que faziam e que eram a ASSIM.
Por isso, humildemente, e gratos por sua respeitosa audiência, iniciamos os trabalhos desta comissão lançando um convite à reflexão de todos.
É imperativo que olhemos, com atenção, humildade e cautela, para as questões reais que norteiam a ética de nossas relações, em outras palavras, a busca pelo conjunto de princípios e valores que devem regular a relação entre o que devemos, o que podemos e o que queremos.
Como disse o filósofo, “Há coisas que quero, mas não devo. Coisas que devo, mas não posso. Coisas que posso, mas não quero. A paz de espírito só é encontrada quando aquilo que se quer é também aquilo que se pode e aquilo que se deve”. É este o cerne da luta pela dignidade coletiva.
A proposta da criação deste Código de Ética e Conduta é, antes, uma proposta que visa ao entendimento de quem somos, do que queremos, e de como podemos atingir nossos objetivos individuais dentro de um conjunto harmonioso de padrões coletivos comportamentais, objetivamente estabelecidos. Unidade na diversidade.
Cremos sinceramente que, ao fazê-lo, alcançaremos resultados ainda mais sólidos e perenes, quiçá fazermos as pazes com muitos de nossos algozes. Certamente, contudo, e seja como for, estaremos nos reinventando, nos reconhecendo de maneira renovada, e construindo um legado verdadeiro, capaz de transcender os muros em torno desta sala, e das salas de cada um de nós.
A todos agradeço pela atenção.
Marcel Camargo e Godoy
ASSIM – Associação de Intérpretes e Músicos
Presidente
A criação do Código de Ética entre as Associações fora aprovado nesta Assembleia, mas jamais fora levado adiante.
A ASSIM mantém seu desejo de que o projeto se torne uma realidade.